Bernardo Boldrini: o menino que pediu para trocar de família e acabou morto pela madrasta

Na pacata cidade de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, nasceu em 6 de setembro de 2002 um menino inteligente, carinhoso e de sorriso tímido: Bernardo Uglione Boldrini. Filho único do médico Leandro Boldrini e de Odilaine Uglione, cresceu cercado por uma família que, de fora, parecia estável e respeitável. Mas por trás das paredes, a história tomaria rumos inimagináveis.

O primeiro golpe na vida de Bernardo veio cedo. Em 2010, sua mãe morreu dentro do consultório do pai. A versão oficial foi de suicídio. Bernardo, então com apenas 8 anos, passou a viver com Leandro, que pouco depois se casaria com Graciele Ugulini, uma enfermeira aparentemente dedicada e de boa reputação.

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Mas a vida no novo lar logo se transformou em um pesadelo.

Uma infância de privação e indiferença

Bernardo não tinha sequer as chaves de casa. Passava horas na rua ou dormia na casa de amigos. Muitas vezes chegava à escola sem lanche, pedindo comida a colegas. Vestia camisetas de manga curta no frio e exibia sinais de descuido com a higiene.

Em casa, as restrições eram duras: não podia usar a impressora, nem a piscina. Brincar com a irmã mais nova — filha de Leandro e Graciele — estava proibido. Um “código de convivência” determinava que ele não falasse com a madrasta e nem sequer mencionasse o nome da mãe morta.

Os eventos escolares eram ignorados pelo pai e pela madrasta. Nem mesmo a Primeira Comunhão do menino foi prestigiada pela família.

Bernardo ainda carregava na mochila três medicamentos controlados que tomava sozinho. Em 2013, estava visivelmente magro e abatido. Sentia-se tão sufocado que, no início de 2014, tomou uma decisão extrema para sua idade: foi ao fórum da cidade pedir a um juiz para trocar de família.

— “A gente analisa que essas pessoas (um médico e uma enfermeira) estão ali para salvar vidas, não destruir”, lamentou a conselheira tutelar Isoldi Schumann, que acompanhou o caso.

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O dia em que Bernardo desapareceu

Era 4 de abril de 2014. Segundo o pai, o menino teria ido dormir na casa de um amigo. Dois dias depois, ao buscá-lo, descobriu que Bernardo nunca havia aparecido lá. A polícia foi acionada e as buscas começaram.

Logo surgiram as primeiras pistas. Na tarde do desaparecimento, Graciele foi multada por excesso de velocidade numa estrada entre Tenente Portela e Palmitinho, com Bernardo no banco de trás. O destino era Frederico Westphalen, onde encontraria a amiga Edelvânia Wirganovicz.

No caminho, a madrasta administrou a Bernardo a primeira dose de Midazolam, dizendo que era para evitar enjoos. Mais tarde, já com Edelvânia, aplicou a substância por via intravenosa.

O crime revelado

Dez dias depois, no dia 14 de abril, Edelvânia confessou: Bernardo estava morto. O corpo foi encontrado nu, enterrado em uma cova rasa em um matagal de Frederico Westphalen, a cerca de 80 km de Três Passos.

A autópsia confirmou a presença de Midazolam no fígado, rins e estômago do menino. Para a polícia, não havia dúvida: o assassinato foi premeditado.

As investigações apontaram que Leandro e Graciele viam Bernardo como um “empecilho” para o relacionamento. Edelvânia e seu irmão Evandro participaram do crime motivados por dinheiro: Graciele teria prometido pagar a dívida de um imóvel em troca de ajuda.

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O julgamento

O caso mobilizou o país. Em 2019, após cinco dias e mais de 50 horas de julgamento popular, a sentença foi anunciada.

  • Graciele Ugulini: 34 anos e 7 meses de prisão por homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver.
  • Leandro Boldrini: 33 anos e 8 meses por homicídio doloso quadruplamente qualificado, ocultação de cadáver e falsidade ideológica.
  • Edelvânia Wirganovicz: 22 anos e 10 meses por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver.
  • Evandro Wirganovicz: 9 anos e 6 meses por homicídio simples e ocultação de cadáver.

Nenhum deles pôde recorrer em liberdade.

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Ecos de uma tragédia

Após a morte de Bernardo, a família de Odilaine tentou reabrir o caso da morte dela, suspeitando de ligação com Leandro. Em 2016, a investigação concluiu que a mãe do menino realmente havia cometido suicídio, sem participação do médico.

O crime deixou uma ferida aberta no Brasil. Bernardo, o menino que teve coragem de pedir para sair de casa, não conseguiu escapar a tempo. Sua história se tornou símbolo de como até mesmo famílias aparentemente exemplares podem esconder um ambiente de abusos e violência mortal.

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