A Guerra do Guaraná: Traições, Prisão e o Império que Balançou a Coca-Cola no Brasil

O que era para ser a história de um refrigerante popular e querido pelos brasileiros, transformou-se em um enredo digno de novela policial, com direito a acusações explosivas, prisões cinematográficas e uma guerra declarada contra a maior gigante de bebidas do planeta. O Guaraná Dolly, lançado em 1987 como a promessa de um sabor genuinamente brasileiro a preço justo, viu sua trajetória de sucesso ser engolida por um turbilhão de dívidas, escândalos e disputas judiciais sem precedentes.

O criador da marca, Laerte Codonho, visionário e polêmico, construiu não só uma bebida que conquistou consumidores, mas também um símbolo nacional com o carismático Dollynho — personagem que virou ícone da cultura pop brasileira. Mas, por trás do mascote sorridente, um campo de batalha estava armado.

A Ascensão e o Início da Guerra

Nos anos 90 e início dos anos 2000, Dolly crescia rápido, incomodando gigantes e abocanhando espaço no mercado de refrigerantes. Foi então que, segundo Codonho, começou uma verdadeira guerra subterrânea.

Em 2003, o empresário acusou nada menos que a Coca-Cola de tentar eliminar sua marca do mercado por meio de uma campanha difamatória e práticas de concorrência desleal. Entre as denúncias, ele apontou dumping com o guaraná Simba, pressão a fornecedores para não venderem à Dolly e até a disseminação de um e-mail falso que acusava o refrigerante Dolly de causar câncer.

A guerra de narrativas foi tão intensa que a Dolly chegou a publicar, no The Wall Street Journal, uma carta aberta ao presidente mundial da Coca-Cola, exigindo investigação sobre as práticas da multinacional.

Gravações Secretas e Declarações Chocantes

A tensão ganhou contornos de filme de espionagem quando surgiram vídeos gravados secretamente com declarações de um ex-diretor da Spal-Panamco (engarrafadora da Coca-Cola). Nos registros, o executivo teria admitido que “a missão era tirar a Dolly do mercado” e, quando questionado sobre o e-mail falso que ligava a marca ao câncer, teria respondido: “Isso é mais ou menos óbvio”.

Codonho também afirmou ter recebido a frase: “É melhor vender a Dolly agora, enquanto ainda vale alguma coisa” — uma ameaça velada que ecoou como um ultimato.

A Coca-Cola Contra-Ataca

A Coca-Cola negou todas as acusações, dizendo que também foi vítima do mesmo e-mail falso e acusando Codonho de tentar chantagear a empresa com gravações manipuladas. Em uma ofensiva jurídica, entrou com ações de reparação de danos contra a Dolly, sua holding e até contra a RedeTV!, que exibiu as denúncias no programa “100% Brasil”.

Para aumentar a tensão, investigações revelaram que parte dos vídeos apresentados pela Dolly tinha cortes, o que invalidaria seu uso como prova.

A Queda: Dívidas Bilionárias e Prisão

Enquanto a guerra judicial se arrastava, a Dolly afundava em dívidas colossais. No fim de 2010, já devia R$ 8 bilhões em impostos estaduais e federais. Em 2018, o golpe final: Laerte Codonho foi preso em sua luxuosa casa na Granja Viana, acusado de corrupção e crimes ambientais.

Segundo o Ministério Público, ele teria promovido desmatamento ilegal em área preservada para favorecer um empreendimento, causando inundações e prejuízos a moradores. Para escapar de punições, teria tentado subornar servidores públicos.

A condenação veio em março de 2025: 11 anos, 4 meses e 1 dia de reclusão em regime fechado, mais 4 anos, 10 meses e 4 dias de detenção em regime semiaberto, além de uma multa de R$ 570 mil.

O Guaraná Dolly Ainda Existe?

Apesar do caos, o Guaraná Dolly sobrevive. A marca ainda está nas prateleiras, mas muito distante do auge que incomodou gigantes. O Dollynho continua sorrindo nas embalagens, como se tentasse esconder a guerra sangrenta que aconteceu nos bastidores.

O caso Dolly vs. Coca-Cola se tornou um dos embates corporativos mais controversos da história do Brasil, misturando negócios, política, traição e até crimes ambientais — um enredo que prova que, no mundo dos refrigerantes, as bolhas podem estourar de maneira explosiva.