A estrada da tragédia: ônibus com refugiados afegãos deportados do Irã pega fogo e deixa ao menos 76 mortos
Na madrugada sufocante de terça-feira, 19 de agosto, uma estrada no oeste do Afeganistão se transformou em palco de uma das maiores tragédias recentes envolvendo refugiados. Um ônibus lotado de homens, mulheres e crianças afegãs — deportados do Irã após semanas de tensão política — colidiu violentamente e, em instantes, foi consumido pelas chamas.
Pelo menos 76 vidas foram interrompidas ali, segundo confirmou Mufti Mohammad Yousuf Saeedi, porta-voz do governador de Herat. Os corpos, muitos deles irreconhecíveis, foram levados ao hospital provincial, enquanto as autoridades locais enfrentam agora a dolorosa missão de identificação.
Uma viagem sem retorno
O ônibus havia partido de Islam Qala, cidade fronteiriça marcada pela travessia de migrantes, e tinha como destino Cabul. A bordo, estavam pessoas que haviam passado os últimos anos no Irã em busca de sustento e segurança, mas que, diante da onda de deportações em massa, foram forçadas a deixar o país.
Para muitas famílias, aquela viagem simbolizava não apenas um regresso forçado, mas também a incerteza de recomeçar em um Afeganistão em crise. Em poucas horas, tornou-se um caminho sem retorno.
O fogo e a fumaça
Vídeos gravados por testemunhas mostram o ônibus tomado pelo fogo, enquanto uma coluna espessa de fumaça negra subia ao céu. As imagens, chocantes, correm pelas redes sociais como testemunho da dimensão da tragédia.
Autoridades de Herat descrevem um cenário “desolador”: corpos carbonizados, malas e pertences pessoais espalhados pelo chão, a estrada transformada em memorial improvisado de um povo que já carregava tanto peso antes mesmo da colisão.
Deportados de uma guerra que não é deles
O acidente expôs ainda mais a vulnerabilidade dos afegãos no cenário geopolítico da região. Desde junho, após o agravamento do conflito entre Irã e Israel, o governo iraniano intensificou a expulsão de afegãos indocumentados.
Em apenas 16 dias, segundo estimativas da ONU, mais de meio milhão de pessoas foram obrigadas a deixar o Irã. Muitos foram acusados, sem provas, de espionagem a serviço de Israel, justificativa que abriu espaço para perseguições, deportações em massa e uma onda de retornos forçados.
A comunidade internacional tem condenado essas práticas, mas para os deportados — como os que estavam no ônibus da tragédia — restam apenas estradas poeirentas, incerteza e, muitas vezes, a morte.
O luto sem nome
Até agora, a maioria das vítimas ainda não foi identificada. No hospital provincial de Herat, médicos e voluntários se dividem entre a tentativa de reconhecimento e o amparo às famílias. Para muitos parentes que aguardavam os deportados em solo afegão, a notícia chegou como um segundo exílio: o da perda irreparável.
Enquanto isso, organizações humanitárias pedem investigação independente e alertam para a urgência de proteção aos refugiados. “É uma tragédia dentro de outra tragédia”, resumiu um trabalhador da ONU em Herat.
O ônibus queimado na estrada simboliza mais que um acidente fatal. Ele expõe, em chamas, a fragilidade de um povo forçado a partir, impedido de ficar e condenado a atravessar fronteiras carregando consigo apenas a esperança de sobreviver.
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