ATÉ O ÚLTIMO LATIDO!

“Até o Último Latido”

João Batista, conhecido como “Seu João”, era um senhor simples, de fala mansa e coração generoso, morador de uma pequena cidade do interior. Viúvo há muitos anos, ele encontrava consolo em seu maior companheiro: um vira-lata caramelo chamado Tico, que ele resgatara ainda filhote, encontrado todo molhado em um dia de tempestade perto da ponte do rio.

Desde então, eram inseparáveis. Tico acompanhava Seu João em todas as caminhadas, sentava aos seus pés na praça, ia ao mercado, à padaria, e esperava na porta da igreja todo domingo. Todos da cidade sabiam: onde Seu João ia, Tico ia também.

Mas o tempo é implacável, e os anos pesaram nos ombros do velho senhor. Seu João começou a adoecer, ficando mais tempo em casa, até que um dia não saiu mais da cama. Tico parecia entender. Passava o dia deitado aos pés do seu dono, lambendo suas mãos trêmulas, chorando baixo quando ele tossia, e se recusando a comer quando a saúde de Seu João piorou de vez.

Na madrugada de um sábado chuvoso, Seu João partiu. Silenciosamente, com Tico encolhido ao lado da cama, como se soubesse que aquele era o último suspiro.

A notícia se espalhou rapidamente. Todos sentiram. Mas nenhum coração se partiu mais do que o de Tico.

No velório, realizado na igreja que Seu João frequentava há décadas, todos os amigos e vizinhos se reuniram para prestar a última homenagem. E, para surpresa de muitos, Tico apareceu. Não foi levado por ninguém. Ele simplesmente chegou. Deitou-se ao lado do caixão e começou a chorar.

Era um choro que ninguém ali esqueceria. Não era latido. Era um som abafado, agudo, um lamento que vinha da alma. Tico se recusava a sair. Quando tentavam afastá-lo, ele rosnava, voltava e deitava novamente. Seus olhos, molhados e tristes, encaravam o rosto sereno de Seu João como se pedissem que ele acordasse.

Durante toda a cerimônia, Tico permaneceu ali. Quando fecharam o caixão, ele latiu alto, desesperado, tentando impedir. Quando levaram o corpo, ele correu atrás, e no enterro, cavou com as patas o chão, como se quisesse desenterrar aquele que lhe deu amor, casa e nome.

Depois disso, Tico passou a viver no cemitério. Dormia ao lado da lápide, e todos os dias, pela manhã, levava flores que pegava no jardim da praça. Ninguém sabia como ele fazia isso. Mas as flores estavam sempre ali, frescas, depositadas com cuidado. Comer? Só quando alguém levava ração ou pão. Mesmo assim, comia pouco. Seu olhar estava sempre distante, esperando algo… ou alguém.

Os moradores passaram a cuidar dele. Tico virou símbolo da cidade. Mas seu olhar, triste e fiel, nunca mudou.

Meses depois, numa noite fria, Tico deitou sobre a lápide de Seu João como fazia todos os dias. Mas dessa vez, ele não acordou. Foi encontrado ali, sereno, como se finalmente tivesse reencontrado o seu dono… para continuar a jornada, dessa vez, juntos para sempre.

No local onde ambos estão enterrados, foi colocada uma pequena placa de bronze, com a seguinte inscrição:

“A verdadeira amizade não conhece a morte.
Aqui descansam dois corações que se encontraram na eternidade.”

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