Bananal em choque: a cavalgada que terminou em tragédia e revolta

O último sábado (16) em Bananal, interior de São Paulo, começou como tantos outros dias de festa no calendário rural da cidade. O sol ainda brilhava quando dezenas de cavaleiros se reuniram para percorrer os cerca de 14 km da cavalgada, tradição que une famílias, amigos e amantes da vida no campo. A cena era típica: risadas, cavalos alinhados, passos compassados nas estradas de terra que cortam as colinas da Serra da Bocaina.

Mas o que deveria ser apenas um momento de lazer terminou em escândalo, indignação e dor coletiva. No fim da tarde, já próximo ao desfecho do percurso, um cavalo branco, exausto pela longa jornada, desabou no chão. Segundo testemunhas, o animal respirava com dificuldade, tentando se levantar, mas não tinha mais forças. Alguns acreditam que ele já não resistira à intensidade do trajeto.

Foi nesse instante que a cena, até então marcada pela rotina das cavalgadas, tomou um rumo inesperado e brutal. Andrey Guilherme Nogueira de Queiroz, de apenas 21 anos, um jovem conhecido na cidade pelo apelido de Boiadeiro, teria se aproximado do animal. Embriagado, segundo sua própria versão, empunhou uma faca e decepou as patas do cavalo.

A violência do gesto espalhou choque entre os presentes e, pouco depois, em todo o Brasil. Vídeos e relatos tomaram as redes sociais, e a pequena Bananal tornou-se palco de revolta.

A confissão e a tentativa de defesa

Três dias depois, nesta terça-feira (19), Andrey se apresentou à Polícia Civil e admitiu o ato. Sua versão, no entanto, buscava afastar as acusações mais graves.

“Não foi uma decisão. Foi um ato de transtorno. Em um momento embriagado, transtornado, eu cortei por cortar. Foi um ato cruel. Estava com álcool no corpo. Não é culpa da bebida, é culpa minha. Eu reconheço os meus erros”, disse, em tom de confissão.

Ciente da repercussão que o transformou em alvo de ataques e revolta popular, o jovem tentou ainda se defender da pecha de monstro que ganhou nas redes:

“Muitas pessoas falaram que eu cortei as quatro patas com o cavalo andando. Isso é mentira. Estão me julgando, falando que eu sou um monstro. Eu não sou um monstro. Eu nasci e fui criado no ramo de cavalo, mexo com boi, tenho o apelido de boiadeiro”.

O depoimento, no entanto, não encerra a polêmica. A polícia investiga se, de fato, o cavalo já estava morto no momento da mutilação — como alega Andrey — ou se o ato cruel foi praticado enquanto o animal ainda lutava para respirar.

A investigação e o peso da lei

O caso agora está nas mãos da Polícia Civil, que ouvirá testemunhas e aguardará laudos periciais para esclarecer o momento exato da morte do cavalo. A diferença é decisiva: se comprovado que o animal ainda estava vivo, Andrey poderá responder por crime de maus-tratos em sua forma mais grave.

A legislação brasileira prevê pena de 3 meses a 1 ano de detenção, além de multa, para quem fere ou mutila animais. A punição, considerada branda por especialistas e protetores, dificilmente corresponde à dimensão da comoção que atos como este provocam. Ainda assim, a pressão popular pode influenciar no rigor das investigações e no acompanhamento do Ministério Público.

Indignação coletiva

Em Bananal, cidade de pouco mais de 10 mil habitantes, o episódio deixou marcas profundas. Protetores de animais, moradores e até participantes da cavalgada se uniram em manifestações nas redes sociais pedindo justiça e punição exemplar.

“Não dá para normalizar esse tipo de crueldade. A cavalgada é tradição, mas não pode ser desculpa para maus-tratos”, escreveu uma ativista da região em uma publicação que ganhou centenas de compartilhamentos.

Para além da cidade, o caso também expôs um debate recorrente: até que ponto eventos de lazer que envolvem animais estão realmente preparados para garantir o bem-estar deles? A exaustão do cavalo antes de sua morte levanta questionamentos sobre os limites físicos a que os animais são submetidos nessas festas.

Entre a festa e o luto

Bananal esperava encerrar a cavalgada com música, churrasco e confraternização. Em vez disso, terminou o dia sob o peso de uma tragédia que extrapolou fronteiras. A cidade, que respira tradição rural, foi colocada no centro de uma discussão nacional sobre crueldade animal.

O cavalo, que deveria ser apenas parte do espetáculo festivo, acabou simbolizando um retrato de descuido e violência. E o jovem, que se apresenta como apaixonado pela vida no campo, agora tenta escapar da sombra de “monstro” que o cerca.

No desfecho, resta uma certeza: a cavalgada que nasceu para celebrar a vida e a cultura da região acabou marcada como o dia em que um gesto cruel transformou festa em revolta.

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