Dor nas estradas: a morte de Gilcimara Hantschel e o alerta que a BR-280 insiste em repetir

O sol ainda mal havia aquecido a manhã desta segunda-feira, 18 de agosto, quando a BR-280, no trecho de São Bento do Sul, se transformou em cenário de mais uma tragédia. O asfalto molhado pelo orvalho e o movimento intenso dos primeiros horários de deslocamento foram interrompidos pelo estrondo de uma colisão frontal que, em segundos, selou o destino de duas vidas.

De um lado, um Volkswagen Voyage preto. Do outro, um Fiat Palio branco. O choque entre os veículos foi tão violento que ambos os motoristas morreram antes mesmo da chegada do socorro. As ferragens retorcidas, o trabalho apressado do Corpo de Bombeiros para retirar as vítimas e o isolamento da área pela Polícia Rodoviária Federal compuseram uma cena dura, repetida em diferentes pontos do país, mas que ali ganhava novos rostos, novas histórias.

Entre as vítimas estava Gilcimara Hantschel, de 30 anos. Mãe de um menino de seis, cabeleireira querida na região e reconhecida por sua alegria, ela carregava sonhos que agora ficam suspensos no tempo. Amigos a descrevem como uma mulher de fé, determinada e sempre disposta a estender a mão a quem precisasse. Nas redes sociais, a notícia de sua morte multiplicou mensagens de despedida e homenagens que revelam o vazio deixado por sua partida precoce.

No outro carro seguia um homem de 72 anos, cuja identidade ainda não foi detalhada oficialmente. Como Gilcimara, ele não resistiu ao impacto. Ambos ficaram presos às ferragens e só puderam ser retirados com técnicas de desencarceramento. A Polícia Científica foi acionada para apurar as circunstâncias, mas até agora as causas exatas do acidente permanecem desconhecidas — ainda que a BR-280 seja, por si só, uma explicação amarga.

Uma rodovia marcada por estatísticas cruéis

A BR-280 não é apenas uma estrada. É uma cicatriz aberta no Planalto Norte catarinense, onde diariamente se cruzam caminhões pesados, carros de passeio, trabalhadores apressados e famílias em deslocamento. A via, fundamental para o escoamento da produção industrial e agrícola do estado, é também conhecida por sua precariedade: pistas simples, fluxo intenso, ultrapassagens arriscadas e um histórico de mortes que transformam cada viagem em um exercício de sobrevivência.

Moradores da região há anos cobram duplicações e melhorias estruturais. Obras foram prometidas, algumas iniciadas, mas a lentidão na execução mantém motoristas reféns de um trajeto em que distrações mínimas podem ser fatais. Gilcimara, agora, se soma à lista de vítimas de uma estrada que insiste em cobrar pedágios impossíveis de se pagar: vidas.

Muito além da estatística

O drama que se abateu sobre a família de Gilcimara reforça uma verdade incômoda: atrás de cada número das estatísticas de trânsito existe uma história interrompida. Uma mãe que não voltará para casa. Um avô que não acompanhará o crescimento dos netos. Um profissional com projetos interrompidos. Comunidades inteiras que se reorganizam em torno da ausência repentina de quem partiu.

Especialistas lembram que, embora a imprudência e as condições das estradas sejam fatores recorrentes, a solução não pode depender apenas de campanhas pontuais. É preciso investimento em infraestrutura, sinalização eficiente, fiscalização contínua e, sobretudo, educação para o trânsito. A BR-280, pela sua relevância e pelo seu histórico, deveria estar no centro desse debate.

O silêncio que fica

Na despedida de Gilcimara, o que permanece não é apenas a dor de quem conviveu com ela, mas também um chamado à responsabilidade coletiva. Cada cruz erguida às margens de uma rodovia é um lembrete silencioso de que as estradas brasileiras continuam a ceifar vidas que poderiam ser preservadas.

No fim, a tragédia desta segunda-feira expõe novamente a fragilidade humana diante de um trânsito que não perdoa erros, nem falhas estruturais. Gilcimara Hantschel tinha apenas 30 anos, muitos planos e um filho pequeno para criar. Agora, seu nome se junta a tantos outros que transformaram o asfalto em altar de despedida.

Mais do que lamentar, é preciso transformar sua morte — e a de tantas outras vítimas — em combustível para mudanças urgentes. Porque nenhuma viagem deveria terminar em luto.

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