Esposa de gari assassinado por empresário revela última mensagem: “O meu Lau saiu para trabalhar e voltou em um caixão”

Na manhã gelada em que Belo Horizonte ainda despertava lentamente, o gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, já estava nas ruas cumprindo sua rotina silenciosa, mas essencial. Conhecido pelos amigos e vizinhos como “Lau”, ele carregava consigo não apenas a farda laranja da coleta de lixo, mas também uma característica que o tornava único: a leveza no trato com todos e a constância no cuidado com sua família.

Poucas horas antes de ser morto, Laudemir deixou para a esposa, Liliane, uma mensagem simples, mas carregada de ternura. Era um “bom dia” acompanhado de uma preocupação típica de quem, mesmo na correria, nunca se esquecia de quem amava:
“Meu amor, bom dia. E o frio, como é que tá aí? Tá muito frio aí? Nossa, aqui tá congelado.”

Essa foi a última vez que Liliane ouviu a voz do marido.

O trabalhador e a rotina que virou tragédia

Laudemir acordava todos os dias às 2h30. A vida de gari era árdua, mas ele a cumpria com dedicação há sete anos, construindo não apenas o sustento da família, mas também um legado de dignidade. “Ele sempre tinha prazer em voltar para casa. Era o melhor companheiro que alguém podia ter”, conta Liliane, agora tomada pela dor da ausência.

Naquela manhã, porém, a rotina foi brutalmente interrompida. Durante a coleta em uma rua estreita, o caminhão que conduzia os trabalhadores precisou parar. Irritado com a demora, o empresário René da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, não conteve o ímpeto da violência. Segundo as investigações, desceu armado e atirou contra Laudemir, que caiu e morreu no local.

O peso da violência e o histórico do agressor

O caso rapidamente ganhou repercussão nacional não apenas pela brutalidade, mas também pelas circunstâncias: um trabalhador humilde, morto no exercício de sua função, por um ato de fúria desmedido.

Indiciado por homicídio duplamente qualificado, porte ilegal de arma e ameaça, René já possuía histórico de violência doméstica. Na audiência de custódia, o juiz o descreveu como alguém de “personalidade violenta”. A defesa do empresário, por sua vez, nega o crime e alega que ele faz uso de medicamentos controlados — versão que ainda será analisada no processo.

A dor que não cabe em palavras

Para Liliane, restam agora as memórias e a luta para reconstruir a vida sem o marido. “O meu Lau saiu para trabalhar. O meu Lau tinha prazer em voltar para casa. E aí eu recebo um caixão”, desabafou em lágrimas.

A última mensagem de voz se transformou em um símbolo: um lembrete da simplicidade e do cuidado que Laudemir carregava, mesmo diante das madrugadas frias, das longas jornadas e das ruas que poucos valorizam, mas que só permanecem limpas graças ao trabalho invisível de pessoas como ele.

Entre os vizinhos, a lembrança é unânime: Lau era querido, sempre disposto a ajudar, um homem de sorriso fácil que jamais deixava de cumprimentar quem passava. Agora, sua ausência ecoa como denúncia de uma violência urbana que ceifa vidas sem razão e deixa famílias despedaçadas.

Justiça e memória

O processo judicial segue em curso, mas para Liliane e os filhos de Laudemir, a sentença já está dada: a vida perdeu um pedaço irreparável. Mais do que estatística em um boletim policial, Lau se tornou símbolo de uma tragédia que expõe o abismo entre a rotina dos trabalhadores que carregam a cidade nas costas e o privilégio de quem acredita poder se impor pela força de uma arma.

No fim, o que fica é a lembrança de um homem simples, mas extraordinário para quem o conheceu. Sua última mensagem, agora eternizada, é a prova de que mesmo nos pequenos gestos de afeto se encontra a grandeza da vida.

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