Jovem internado após abordagem policial em Passos (MG) expõe tensão sobre violência e abusos de autoridade

Na noite abafada de 16 de agosto, a cena parecia mais uma das tantas registradas por câmeras de segurança em ruas movimentadas do interior de Minas Gerais. Mas o que as imagens gravaram em Passos (MG) tornou-se um retrato perturbador da violência policial e de seus desdobramentos.

O vídeo mostra Alejandro Pereira de Oliveira, 21 anos, saltando de uma motocicleta em movimento. Ele retira o capacete, coloca as mãos sobre a cabeça e logo se deita no chão, em gesto claro de rendição. Segundos depois, a viatura da Polícia Militar Rodoviária para. Dois agentes descem: um desfere um chute contra o jovem caído, o outro o imobiliza com força na calçada.

A versão da polícia

O boletim de ocorrência lavrado naquela noite descreve um quadro diferente do registrado pelas câmeras. De acordo com os policiais, Alejandro teria tentado fugir, resistido à intervenção e sido contido com o uso de “técnicas de imobilização e quebra de resistência”, supostamente previstas nos manuais da corporação. O documento ainda afirma que, durante a fuga, o jovem teria descartado algo na via e, em conversa, admitido jogar certa quantidade de cocaína — nunca encontrada.

A defesa rebate

A narrativa oficial é duramente contestada pela defesa. O advogado Edmo Peixoto afirma que Alejandro não possui passagens policiais, não faz uso de entorpecentes e, sobretudo, que as imagens desmentem a versão da PM.
“O que mais assustou, além da agressão da forma como ele foi abordado, foi o fato de a própria Polícia Militar ter desvirtuado completamente os fatos, narrados em boletins de ocorrência que não são verdadeiros”, disse.

Segundo o defensor, o motivo da fuga foi simples: medo da abordagem. “Ele se entregou, deitou no chão. A partir dali não havia justificativa para qualquer violência”, completou.

Da abordagem à UTI

Imobilizado, Alejandro foi levado inicialmente à UPA de Passos, onde recebeu atendimento básico. Mas no dia seguinte, já em casa, começou a sentir fortes dores abdominais. Retornou ao hospital e, após exames, veio a descoberta: ele havia sofrido perfurações em órgãos internos. A gravidade o levou diretamente para a UTI da Santa Casa de Passos, onde permaneceu internado por quatro dias. Recebeu alta apenas em 21 de agosto, sob recomendações médicas rigorosas.

A repercussão

O caso mobilizou a Comissão de Direitos Humanos da OAB de Passos, que passou a acompanhar de perto os desdobramentos. O presidente do colegiado, Júlio Flávio Barbosa, classificou a conduta policial como desproporcional.
“Na minha avaliação, aconteceu sim a violência policial, pois uma vez que o sujeito já havia se rendido, o correto seria ler os direitos dele e conduzi-lo à delegacia”, afirmou.

Para a família e a defesa, a abordagem deixou não apenas marcas físicas, mas um trauma profundo. Eles já estudam medidas legais contra o Estado, pedindo reparação por danos materiais e morais.

A posição da corporação

Em nota, a Polícia Militar Rodoviária informou que “foram adotadas de forma imediata as medidas cabíveis” e que instaurou procedimento apuratório para analisar os fatos. A corporação garantiu que acompanha o caso “com atenção, conforme os parâmetros que regem a atividade policial e o serviço público”.

Entre a rua e a Justiça

O caso de Alejandro expõe, mais uma vez, um dilema recorrente em abordagens policiais: a fronteira tênue entre o uso legítimo da força e o abuso de autoridade. Se para os militares a ação seguiu protocolos, para as imagens — e para o corpo ferido do jovem — o episódio revela excessos que podem custar caro, tanto para os envolvidos quanto para a credibilidade da instituição.

Agora, resta à investigação esclarecer as circunstâncias e apontar responsabilidades. Enquanto isso, Alejandro tenta se recuperar, carregando no corpo e na memória as consequências de uma noite que começou com medo e terminou em UTI.

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